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O Globo

Vida de Imelda Marcos, viúva de ditador das Filipinas, inspira disco conceitual de David Byrne e Fatboy Slim
O Globo [Link]
By Antonio Carlos Miguel
1 May 2010

Imelda Marcos, quem diria, aos 80 anos, pode acabar na Broadway. Viúva do ditador Ferdinand Marcos, que comandou por duas décadas as Filipinas, ela se tornou o símbolo máximo da corrupção em seu país, esbanjando uma fortuna acumulada de forma duvidosa com extravagâncias, como a sua coleção de três mil pares de sapatos. Mas o retrato pintado por David Byrne e Fatboy Slim no CD duplo "Here lies love", inspirado na vida da ex-primeira-dama, é simpático, cor-de-rosa. Imelda emerge dessa série de 22 canções como uma Evita Péron filipina, com algumas doses de glamour e mistério.

A história vai da infância, com a forte presença de sua babá, Estrella Cumpas, ao exílio, em 1986, quando o ditador do país asiático de maioria católica foi deposto, e o casal se refugiou no Havaí, sem explicar as muitas acusações de uso indevido do dinheiro do povo filipino. As letras das canções dão voz a Imelda e Estrella, enquanto, musicalmente, Byrne investe na hedonista disco music dos anos 1970 - Imelda adorava o gênero, mantinha uma discoteca em seu palácio em Manila, e, quando em Nova York, era frequentadora assídua do Studio 54.

Concebida e escrita por Byrne - o cantor e compositor que, entre o fim dos anos 1970 e a primeira metade dos 1980 liderou a melhor e mais influente banda da new wave americana, os Talking Heads -, com "contribuições musicais" (assim consta nos créditos) do DJ Fatboy Slim (ou Norman Cook, seu nome de batismo, que usava enquanto baixista do grupo inglês pós-punk The Housemartins, na década de 1980), "Here lies love" teve quatro apresentações como recital, em teatros, em 2006 e 2007. E, ainda sem data confirmada, vai ganhar uma montagem pela companhia The Public Theater, de Nova York.

Agora, no início de abril, a obra foi lançada nos EUA, pelos selos Todomundo e Nonesuch Records, distribuídos pela Warner, em diferentes versões: a mais luxuosa, e cara (US$ 34,98), traz um CD duplo, um DVD com vídeos de seis das canções, um libreto de 120 páginas com as letras, fotos e ensaios sobre a personagem e ainda um link para download de todo esse pacote; a mais simples (US$ 19,98) oferece o CD duplo e o direito ao download. No Brasil, a Warner ainda não planeja o lançamento do CD físico, mas "Here lies love" já está sendo vendido em sites de download (por R$ 25).

Com exceção de duas faixas interpretadas pelo próprio Byrne - "American troglodyte" e "Seven years", esta num dueto com Shara Diamond - e uma pelo cantor e compositor de country Steve Earle ("A perfect hand"), um elenco feminino se alterna no repertório. O time oferece um verdadeiro quem-é-quem da cena pop anglo-americana atual, entre veteranas e emergentes. Entre as primeiras estão a soulwoman Sharon Jones e cantoras e compositoras dos anos 1980 como Cyndi Lauper, Tori Amos, Natalie Merchant, Kate Pierson (dos B-52's); entre as novas, Nellie McKay, Santigold, Martha Wainwright, Róisin Murphy, Camille, Allison Moorer e Florence Welch (do grupo inglês Florence + The Machine).

Em sua versão adocicada da vida de Imelda - autorizada pela própria -, Byrne e Cook não mencionam, por exemplo, o emblemático episódio dos três mil pares de sapatos, caso que só veio à tona após o casal ser enxotado das Filipinas. Num trecho do texto de apresentação, o talking head justifica a sua abordagem: "Estou interessado em saber o que move uma personalidade poderosa, o que a marca? Como eles se fazem e se refazem? Pensei se não seria interessante contar essa história principalmente através de músicas dançantes de discotecas? Poderia trazer uma história e algo teatral para a disco music? É possível? Se positivo, isso seria maravilhoso".

Numa das muitas entrevistas para o lançamento do projeto, Byrne deu mais detalhes de sua fixação por Imelda: "Ela se vê como uma eterna intrusa, uma eterna Cinderela que se encontrou no baile de gala." Ele tentou decifrar a psicologia dessa personagem. "O público já tem alguma referência, principalmente a coleção de sapatos e o dinheiro nos bancos suíços. O que tento é fazer as pessoas entenderem o que a levou a esse caminho, e também oferecer o ponto de vista de Imelda. Não pretendo tirar sua culpa, mas mostrar que há motivações humanas e paixões em jogo, algumas vezes numa escala nacional", conta Byrne, numa abordagem similar à de Sofia Coppola para o filme "Maria Antonieta", que também humaniza a princesa guilhotinada pela Revolução Francesa.

Letras são baseadas na vida de Imelda

O músico tentou conversar pessoalmente com sua musa. Amigos em comum marcaram um encontro em 2005, quando Byrne esteve nas Filipinas, mas ela cancelou, alegando um resfriado. O nome do CD, "Aqui jaz o amor", é a frase que Imelda deseja para sua lápide. Como Byrne reporta no refrão da canção-título e de abertura, interpretada por Florence Welch: "Eu sei que quando meu número acabar / Quando for chamada por Deus / Não quero meu nome cravado na pedra / Apenas: aqui jaz o amor!". Quatro faixas depois, na hilariante "How are you?", a cantora, compositora e pianista Nellie McKay (uma das revelações da cena americana deste século, que, após três ótimos discos autorais, lançou no ano passado um tributo a Doris Day) dá voz à jovem Imelda engatinhando no idioma de Shakespeare: "Como está você? Estou aprendendo inglês / Você parece ótima / Está tão quente hoje...".

Já "Please don't", primeiro single do álbum - que pode ser baixado gratuitamente por quem se cadastrar no site oficial de Byrne -, interpretado pela roqueira black Santigold, flagra o poder de que ela desfrutou como primeira-dama de seu país. O vídeo, um dos seis do DVD, traz cenas da Imelda real, ao lado dos principais líderes mundiais no período em que o casal Marcos mandou e desmandou nas Filipinas, entre 1966 e 1986, incluindo os presidentes americanos Lyndon Johnson, Richard Nixon e Jimmy Carter, e ainda Mao Tse-Tung, Muamar Kadafi, Anwar Sadat, Fidel Castro... Sim, foi poderosa essa "sapatóloga".